Em OUTUBRO ---

Descartes, o teatro grego e um furo no céu


Eis o que traz o capítulo XII do livro "O falecido Matias Pascal" do italiano Luigi Pirandello:

"- A tragédia de orestes num teatrinho de marionetes! - veio anunciar-me o Senhor anselmo Paleari - Marionetes automáticas, última invenção. Hoje à noite, às oito e meia, na Rua dos Prefeitos, número cinquenta e quatro.Vale a pena ir, Senhor Meis.
- A tragédia de Orestes?
- Isso mesmo! Segundo Sófocles, diz o cartaz. Será Electra. Agora, escute só que idéia bizarra me veio à mente! No momento culminamte, exatamente quando a marionete que representa Orestes estivesse perstes a matar Egisto e a mãe para vingar a morte do pai, se por acaso o céu de papel do teatrinho se rasgasse, o que aconteceria? Diga-me.
- Não sei - respondi, encolhendo os ombros.
- Mas é facílimo, Senhor Meis! Orestes ficaria terrívelmente desconcertado, por causa daquele buraco no céu.
- E por quê?
- Deixe-me dizer. Orestes sentiria ainda os impulsos da vingança, querendo-os satisfazer com sedenta ira; mas os olhos naqule instante, iriam parar ali, no rasgão, através do qual toda espécie de maus influxos penetrariam na cena e então ele sentiria os braços caírem. Em resumo, Orestes se transformaria em Hamlet. Toda semelhança, Senhor Meis, entre a tragédia antiga e moderna consiste nisso, creia: num buraco no céu de papel."
Há ainda esse testemunho de Cortazar, coletado do ensaio "a situação do romance", que achei que tem tudo haver com o texto acima.
"O romance antigo ensina-nos que o homem é; nos começos da era contemporânea indaga como ele é; o romance de hoje pergunta-se-á seu porquê e seu para quê."
A única obervação que faço daí é que Cortazar travava por "romance antigo" todas narrativas clássicas, o que engloba tanto o teatro quanto as epopéias. Pois bem, no meu entender vejo que tais exemplos poderiam endossar a idéia de que o modelo antigo estava alçado não sob uma fórmula "o que tem de ser será" mas numa premissa ainda mais enraizada e, portanto, mais agônica: "o que tem de ser já foi". Como exemplo disso basta ver que Laio, refiro-me ao personagem da tragédia Édipo Rei, já estava condenado muitos anos antes de que seu filho, o Édipo, viesse a nascer. Aí, a Moirae, o que na mitologia grega era tanto a representação do destino quanto a da necessidade, era tão plena quanto o céu que abarcava os personagens e, deste modo, as ações desses seguiam uma direção a semelhança de um traçado carteziano: um riste contínuo que segue a relevia de qualquer coisa, como uma inércia pervesa em rumo ao próprio esgotamento, à própria nulidade. Assim, não havia ação sem consequência, não havia imagem sem seu reflexo, tudo tinha essa estrutura de dupla correspondência como um x tende a se encontrar com um y em um gráfico. A mente clássica se processava desta forma e as razões estavam ligadas a um esquema de metafísica moral como em todas as culturas antigas. E a representação moderna? Pirandello já deu o testemunho: é um furo visível neste gráfico matemático de causa e consequência. O que diz uma página adiante confirma esta tese:
"Felizes as marionetes, sobre cujas cabelas de madeira o fingido céu se conserva sem rasgões! Nem indecisões angustiosas, nem escrúpulos, nem entraves, nem sombra, nem piedade, nada! E podem entregar-se valentemente e tomar gosto pela própria comédia e amar e sentir consideração e estima por si mesmas, sem sofrer jamais vertigens ou tonteiras, porquanto para as suas dimensões e ações, aquele céu é um telhado proporcional"

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3 comentários:

Bernardo Souto disse...

"sobrenoite alémfloresta
aquela estrela é uma fresta
por onde vejo nascer
um novo céu"

Esse fragmento de poema do Leminski como que completa o texto do Pirandello.O rasgão no céu,ao tempo que desilude,que pulveriza o Mito,nos faz enxergar um novo céu.Talvez menos belo que céu o mítico,mas igualmente céu.E é exatamente a esse "novo céu"(nova alternativa)a que devemos nos apegar,embora não devamos jamais esquecer o belo(belíssimo) céu da Élade...

Alisson da Hora disse...

E o Tempo também é um rasgão no Céu, onde olhamos os nossos registros de vidas além ao redor de nós, nos ventos da Eternidade

Anônimo disse...

boa, germanus. é nesse texto q cortázar fala do "golpe de estado da poesia" no romance moderno???

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